Não me admira a sua resiliência. Afinal, quem em sã consciência
optaria por lutar contra aquilo que chamamos destino? Seguir outro caminho
demandaria mais do que coragem, exigiria uma força que, apesar de potente, nos
é roubada todos os dias.
Por isso, Gregor, sua resiliência não me causa espanto.
Assim temos sido, todos nós. Ser de verdade, cumprir nossa missão humana de
apenas sermos, exige a nossa negação ao espetáculo. A farsa da sociedade humana
é atemporal, enquanto seres de kronos, do espaço. A tragédia só é bela quando
encenada no palco.
E assumir sua tragédia, Gregor, te faria humano demais. A
tarefa de ser humano exige humanidade, forma essa que optamos abandonar para
estar em conformidade com o olhar estrangeiro, o olhar inquisidor. E não estou
aqui sendo inquisidora. Pelo contrário. Estou aqui falando como alguém que
vinha atuando no palco da vida sem perceber o papelão que assumia. Virando um
personagem sem caráter. Alguém que atuava para ser aplaudida. E era isso que você
almejava, querido Gregor.
Só que para ser realmente humano, deve-se ter em mente que
não há aplausos no fechar de cortinas. Porque também não há cortinas a serem
cerradas. Ser humano é ter a coragem de se assumir fraco, maldoso, egoísta,
invejoso. É assumir, Gregor, que sua metamorfose talvez não fosse completa se
seus pais não figurassem na sua tragédia. A morte é muitas vezes solução,
Gregor.
Não pretende com essa carta lamentar seu fim deprimente,
Samsa. Você foi seu próprio dramaturgo. Busco aqui apenas respirar um pouco do
ar sujo da humanidade, antes que eu morra como uma barata.