sexta-feira, 25 de abril de 2008

Uma conversa franca

Fico muito triste com o que vocês falam dele por aqui. Vocês dizem que ele é ditador, mas para a gente ele não é. Os pais sempre fazem de tudo por seus filhos, desejando o melhor a eles, mas nem sempre o resultado é aquilo que esperam. E o Fidel é assim. É como um pai para o povo cubano, sempre pensando em nosso bem. Sabemos que tudo o que ele faz é em benefício de seu povo.

Os jornais mostram, com freqüência, imagens de cubanos tentando fugir de seu país em direção aos Estados Unidos, em barcos mal construídos, enfrentando tempestades marítimas e correndo risco de vida. Mas o que nunca dizem é que muitos desses cubanos possuem familiares vivendo nas terras do Tio Sam mas não podem fazer sequer uma visita, já que têm seus vistos negados não por Fidel, mas pelo governo estadunidense. Nós não somos proibidos de sair de Cuba, mas sim de entrar nos EUA.

Dizem que somos um povo atrasado e sem liberdade, porque nosso presidente, para vocês um ditador, proíbe o uso da internet. Mas ninguém conta que o sinal necessário para o uso da rede foi cortado pela maior empresa do mundo: a Microsoft. Não é o Fidel que nos proíbe, é o Bill Gates.

As ruas de Cuba são esburacadas, o transporte é um caos. Sabemos que há ainda muita coisa a ser feita por Cuba, temos muitos problemas, mas não podemos nos esquecer de certas coisas. Dá para esquecer que temos 85% da população com diplomas universitários? Não dá. Dá para esquecer que qualquer pessoa doente é atendida imediatamente e de graça pelo serviço de saúde? Não dá. Se eu fico grávida e quero ter o meu bebê, vou a qualquer hospital e tenho todo a assistência necessária gratuitamente. Dá para esquecer? Não dá.

Nós não pagamos a Universidade. Fico chocada com o que vejo aqui: meninos de 18 anos trabalhando o dia inteiro para poder pagar a faculdade. Quem é que consegue estudar devidamente depois de um dia inteiro de trabalho? Em Cuba ninguém precisa trabalhar para pagar os estudos. Lá há tempo para estudar, para crescer, para viver. Aqui não.

Aprendi duas palavras no Brasil: stress e depressão. No meu país não existe isso. Somos um povo que vive da luta, como é que vamos ter depressão? Não sabemos o que isso significa. Todas as nossas crianças estão nas escolas e brincam com qualquer coisa que lhes for dada. Aqui, saio do trabalho e vejo muitas delas na rua, passando fome, enquanto outras só são felizes com brinquedos de última geração. É a mentalidade do consumo, que não existe para nós.

No dia em que o Fidel renunciou, cheguei ao serviço e me falaram: “Finalmente vai ter democracia em Cuba”. Simplesmente respondi: “Se for para termos a democracia de vocês, não queremos”.

Cuba é um país complexo. Tem que saber olhar para ela. Vocês não entendem o que acontece lá, porque há uma grande diferença de mentalidade. Com Raúl agora na presidência estamos vendo acontecer algumas mudanças que estávamos esperando há tempos. O povo está confiante nele. O problema é que ele também está velho e logo não o teremos também. E os cubanos têm medo. Medo do que vão fazer com a gente. Mas enquanto Fidel vive, sabemos que estamos protegidos, mesmo com ele sendo hoje apenas um combatente das idéias. Para mim, ele poderia ser para sempre.

Este texto é uma tentativa de recriar o que ouvi de uma cubana esses dias. As palavras são minhas, mas as idéias são dela, que começou a falar sinceramente e sem parar para respirar, como alguém que precisava ser ouvida. Tentei relatar fielmente tudo o que eu ouvi. Ela me pediu que, como jornalista, eu desmistificasse o que insistem em confirmar. Esse texto foi o meu primeiro passo.