terça-feira, 25 de março de 2008

Um desabafo

Apesar de não ter vindo de uma família rica, nunca me faltou nada na vida, desde a posse de bens materiais até o acesso à educação e à informação. Assim como todos que estudaram comigo ao longo de pelo menos 10 anos, em uma boa escola particular construtivista com preocupação na formação social do indivíduo, fui criada em um ambiente aberto a debates e trocas de idéias, onde inclusive visitas a assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra estavam entre as atividades da grade curricular. Era o que hoje chamo de “classe média consciente” – com um certo tom pejorativo na frase -, mas que teve um peso definitivo na formação da minha personalidade.

Mas, em um determinado momento, por volta dos 14 anos, esse caminho “livre da alienação” que eu seguia mudou o modo do curso. Enquanto todos os meus colegas começavam a firmar suas personalidades em um mundo à base de MPB, Chico Buarque, maconha e arte, nada daquilo fazia muito sentido para mim. Foi aí que eu fui atrás, junto com duas amigas -que imagino terem entrado na mesma crise que eu - da tal da cena punk/hardcore. Uma identificação adolescente, em busca de afirmação e identidade, mas que, sem sombra de dúvida, influenciou tudo o que sou hoje.

Para quem vive dentro dessa cena, esse papinho de “o punk mudou minha vida” já é batido, clichê e chega até a dar canseira. O assunto não é nem tanto o encontro das pessoas com o punk, mas a influência e o peso desses ideais na vida de quem os tomou para si. O motivo que me fez trazer esse assunto à tona foi a seguinte afirmação, que li por aí dia desses:

Existem tantas preocupações na vida. Ela é tão mais importante do que esse mundo do Hardcore, de bandas de final de semana, de fanzines mal escritos e ideologias políticas ultrapassadas. Isso passa, a maioria vai desencanando e levando a vida de outra forma. De volta ao mundo real onde temos que trabalhar pra pagar contas, estudar para ter um futuro e puxar o saco do chefe porque ele sim é quem vai te ajudar.

Não vou entrar na discussão do que é o “mundo real”, capitalista, em que temos que trabalhar e pagar contas. Essa é uma realidade que qualquer pessoa que vive em uma sociedade do capital enfrenta em algum momento da vida. A diferença está nas diversas formas encontradas para sobreviver à lei da selvageria – ou pelo menos não sucumbir a ela. E é neste ponto que o punk entra. É neste ponto que ele faz sentido. E muito.

É lógico que tenho não uma, mas muitas e muitas críticas quanto ao que acontece dentro desse mundo “paralelo”, seja em relação a bandas, pessoas, comportamentos de grupo ou qualquer outra coisa. Mas nenhum desses problemas tira a essência de um ideal e a validade prática que ele tem. E, muito menos, anula o esforço de muitas pessoas que lutam para manter a coisa toda minimamente digna.

As bandas tocam aos finais de semana porque não há outro dia disponível para isso, afinal, a maioria das pessoas trabalha para pagar suas contas.

Os fanzines podem até ser mal-escritos, mas passam mensagens, idéias, críticas, analisam e questionam o mundo, oferecem informação e são a alternativa a tudo aquilo que pode se chamar de grande mídia. O fanzine é o meio de comunicação de um grupo, que não sofre censuras, não tem meias palavras e se importa em ser livre. Acima de qualquer preocupação lingüística e gramatical, preocupa-se com o fluir das idéias.

Algumas ideologias políticas podem já não ser totalmente adaptáveis à sociedade atual, mas nunca serão ultrapassadas. Talvez a maneira de se implementar na prática determinadas ideologias deva ser mudada, mas jamais princípios como liberdade, dignidade e respeito serão ultrapassados. E são eles que regem uma atitude punk.

Para muitas pessoas, tudo isso passa. Muitos desencanam e levam a vida de outra maneira porque, de alguma forma e por algum motivo, isso tudo não fez mais sentido. Opção pessoal. Mas nunca um ideal como o que vive na cena punk/hardcore, pode ser encarado como coisa de criança, como momento passageiro. Tenho amigos que já passam dos 30 anos de idade, outros até dos 40, que são muito mais punks que muitos jovens por aí. Que levam tudo isso a sério. Que aplicam em sua vida diária princípios como o faça-você-mesmo ou o próprio anarquismo. Pessoas que gerem seus próprios espaços, vivem da autogestão, mantêm suas bandas fazendo as próprias camisetas, gravando os próprios cds. Realizam eventos onde der, debates com quem estiver presente, exposições de arte com as condições existentes, fanzines com o dinheiro disponível… Mantêm uma atitividade incessante, possibilitando todo o funcionamento desse mundo “paralelo” e “alternativo”. Sem precisar do chefe para ajudar em coisa nenhuma. E são muito felizes assim.

O punk é a fuga daquilo que oprime, é o outro lado da moeda, é a alternativa ao mundo grotesco. É por isso que faz sentido. Só é coisa de criança para aqueles que nunca o entenderam.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Internet democrática?

O jornalista Paulo Henrique Amorim, que possuía um blog hospedado no site do IG, o "Conversa Afiada", teve seu contrato rescindido com a empresa na terça-feira passada sem nenhum aviso prévio.

O jornalista recebeu apenas uma notificação quando o blog já havia sido tirado do ar, "sua equipe tivera cancelado o crachá de entrada na sede do portal e o computador sofrera o vexame final de ser lacrado". Nenhuma nota ou aviso aos leitores do blog foi publicada pelo IG. O contrato de PHA estava previsto até 31/12/2008.

A recisão do contrato, feita bruscamente e sem maiores explicações, causa estranhamento. Quando se trata do caso de um dos poucos jornalistas desvinculados do poder e manipulação da grande imprensa (golpista), crítico e combativo, a atitude do portal parece-me esboçar uma verdadeira e descarada atitude de censura. Freqüentadores do blog, como eu, sabem bem que a posição assumida pelo jornalista incomodava os tucanos e a própria grande imprensa. Como nos tempos da Ditadura, aquele que fala demais tem sua boca calada.

Em solidariedade, o editor da revista semanal Carta Capital, Mino Carta, assumiu a atitude de retirar seu blog da hospedagem do portal IG. De acordo com os comentários publicados em seu último post, parece estar surgindo uma onda de boicote ao portal.

A questão que me vem à cabeça é em relação à internet vista como um espaço livre e democrático. Enquanto grandes empresas com nomes que vão de Telefonica e UOL à Terra e IG estiverem com a hegemonia da comunicação, o espaço virtual pode vir a se tornar o espaço real, em que todas as atitudes "subversivas" serão sufocadas, censuradas e ilegais. Por enquanto ainda temos a liberdade de criar nossos próprios sites, mas temos como exemplo o que está acontecendo na China em relação ao Tibete: o governo proibiu o acesso ao Youtube. No Brasil, até uma modelo insignificante conseguiu impedir o funcionamento deste site por algumas horas. E se a Telefonica resolver cortar a conexão de usuários que falam o que pensam e criam suas próprias mídias?

Paulo Henrique Amorim está com seu próprio site: http://www.paulohenriqueamorim.com.br/

quinta-feira, 6 de março de 2008

A vez da estética de faroeste

As opiniões acerca do merecimento do Oscar de melhor filme para No Country for Old Men são as mais variadas e vão da revolta à excitação. Alguns o julgam ironicamente como “filme feito paras os que entendem da verdadeira arte”, enquanto outros o vêem como uma excelente obra cinematográfica capaz de retratar a violência de maneira diferenciada. Traduzido para o português como Onde os fracos não têm vez, surge apenas um consenso quanto a ele: a discussão.

Tendo como pano de fundo o árido Texas dos anos 80 com uma estética de faroeste, a história se desenrola a partir do momento em que Llewelyn Moss (Josh Brolin), um caçador, se depara com a cena de um crime onde, além de mortos, há uma recheada mala com 2 milhões de dólares. Fugindo com o dinheiro, Moss começa a ser perseguido por Anton Chigurh (Javier Bardem), assassino psicótico contratado para reaver a quantia. Entra em cena então, o xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones). A partir daí, sangue, mortes e suspense vão dar o tom ao longa.

Nada muito inovador quando se trata de tramas hollywoodianas. O diferencial do filme está em pequenos detalhes, capazes de tornar uma história aparentemente banal em uma inovadora obra de suspense. A quase ausência de trilha sonora, um assassino de expressões tranqüilas com um corte de cabelo singular, aliados a cenas de perseguição quase sem ação, mortes frias e nada espetaculares e um final incomum, tornam Onde os fracos não têm vez uma novidade não por seu conteúdo, mas por sua forma.

É claro que a maestria com que os personagens são interpretados pelos atores é fundamental para dar à trama tensão e expectativa. Javier Barden, que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante, interpretando Anton, chega a trazer um certo ar sinistro, enquanto Ed Tom Bell, o personagem de Tommy Lee, prima pela densidade psicológica.

Tudo isso são êxitos alcançados pelo filme, que explicam o porquê de ter levado quatro estatuetas do Oscar (Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado). Porém, o que a maioria do público questionador dos prêmios coloca é que se trata de um filme incompreensível.

É exatamente neste ponto que se encontra o segredo da qualidade do filme. Trata-se de uma produção cinematográfica que foge do óbvio, do explícito. Pessoas e situações enigmáticas, diálogos com entrelinhas. As dicas do desenrolar da trama são dadas em pequenos fatos e sutilezas, que se passados despercebidos, podem tornar o filme incompreensível, recheado de mistérios sem respostas. Trata-se de um longa para se prestar atenção e juntar as peças reflexivamente. Quem não perdeu uma cena sequer, com certeza adorou. E teve pesadelos medonhos com o psicótico Anton.