sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Se há uma frase que resume Inland Empire (Império dos Sonhos), novo filme de David Lynch, ela foi escrita por Clarice Lispector:


Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca

A pedra no vidro

Ontem fiquei conversando com uma amiga minha sobre essa questão dos homens que ficam abordando mulheres na rua. Ela contou que a mãe dela certa vez estava andando em uma calçada, quando um sujeito de baixo nível em seu automóvel começou a falar coisas desagradáveis e chulas. A mulher passava em frente a uma construção e não teve dúvida: pegou a primeira pedra que enxergou e jogou no vidro do carro do homem, que se espatifou. O cara fugiu e todos na rua a aplaudiram.

Logicamente, esse tipo de atitude é extremamente perigosa e pode muitas vezes acabar piorando a situação para a mulher, mas a mãe da minha amiga definitivamente foi muito corajosa. Se todas as mulheres reagissem assim, que home se atreveria a falar um "a"?

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007



Foto: Joana Saramago

Pelo direito de ir e vir (sem ser incomodada)

Estou prestes a lançar uma campanha de repressão contra homens cretinos que desrespeitam as mulheres em seu cotidiano. Não falo daqueles bêbados que espancam suas esposas e nem de estupradores, pois contra eles já existe uma sociedade inteira se mobilizando. Falo aqui daqueles inconvenientes que perdem todas as oportunidades de ficarem calados quando passa uma mulher, seja ela bonita, feia, gorda ou magra, jovem ou velha, mas desde que seja mulher. Falo daqueles infelizes que gastam saliva dizendo bobagens como “oi”, “linda”, “gostosa” e emitem sons com a boca como se estivessem com dor de dente.

Não há nada mais desagradável para uma mulher do que isso. Quer dizer, algumas podem até gostar e sentirem a auto-estima um pouco elevada, mas creio que a maioria detesta e se sente extremamente invadida e desrespeitada. Se não a maioria, pelo menos eu me sinto. Não há motivos para essa deselegância masculina; os homens simplesmente agem dessa maneira estúpida para terem certeza de que existe um pênis no meio de suas pernas. Se eles não provocam mulheres andando na rua, não são homens. Para mim, são uns desclassificados.

É por isso que eu acho que a mulher deveria ter o direito de manifestar seu repúdio contra tais atitudes da maneira que julgasse melhor. Certo dia, estava voltando para casa caminhando na calçada e dois trogloditas, no trânsito, vinham me acompanhando na mesma velocidade em que eu andava e me falando frases esdrúxulas. Fui andando e olhando para o chão procurando uma pedra para tacar no vidro do carro deles, mas pensei que isso seria um tanto quanto inconseqüente. Então, pensei que eu deveria ter esse direito. Não exatamente ter o direito de jogar uma pedra e arrebentar o carro do indivíduo, mas caso eu fosse tomada por esse impulso e fizesse algo do tipo, que existisse uma lei que me amparasse e protegesse. A justiça deveria estar ao nosso lado nessas ocasiões. Nunca vi uma mulher reagir a isso, talvez pelo fato de temer sofrer algum tipo de violência. A maioria finge não ter visto, quando deveria reagir, dizer algo, se defender, porque isso é um verdadeiro desrespeito à liberdade de ir e vir da mulher. Uma mulher não consegue andar na rua tranqüilamente sem ouvir qualquer coisa do gênero.

Mas enquanto a mulher não tem ao seu lado leis que a defenda de tais insultos – isso nem mesmo é cogitado - eu conclamo as mulheres que se sentem ofendidas com esse tipo de coisa a responderem a essas ofensas. Se o cara der “oi”, responda que não o conhece e não tem nenhum motivo para cumprimentá-lo. Responda ao nível da ofensa. Se disser “saúde” pergunte se está doente. Se emitir sons com a boca, pergunta se está com dor de dente. E se o cara falar algo de baixo nível, pegue pesado também e comece a gritar no meio da rua, grite para todos que estiverem ao redor que você foi assediada.

Se o machismo ainda existe, muito é porque as mulheres ainda aceitam determinadas atitudes dos homens e acham normal. Antes de pensar em acabar com o machismo nos homens (creio que isso seja um problema social e não de gênero), as próprias mulheres devem se libertar desse costume e fazer alguma coisa, nem que seja simplesmente dizer a eles que não acha normal.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Tropa de Elite: osso duro de roer

É de se notar que o cinema nacional tem crescido vertiginosamente nos últimos tempos. Há poucos anos, cinema nacional era sinônimo de baixo custo de produção, lucro quase zero e uma qualidade técnica que deixava a desejar frente às grandes produções hollywoodianas. No Brasil, incentivo ao cinema praticamente não existia. Porém, este cenário vem se reestruturando de uma maneira não vista antes ao longo dos anos, com a produção de filmes que atingiram bons números de bilheteria e alcançaram uma qualidade conceitual e técnica significativa, dos filmes independentes aos comerciais. Dois Filhos de Francisco, dirigido por Breno Silveira, talvez tenha sido uma das primeiras surpresas nacionais em termos de indústria cultural. Hoje, o filme da vez é Tropa de Elite, de José Padilha. Um filme que não só atingiu recordes de bilheteria, como talvez tenha sido o mais falado, debatido e pirateado da história do cinema nacional.

Em termos cinematográficos, Tropa de Elite não tem nada de inovador. Não surpreende com efeitos especiais, não possui uma montagem fora do padrão e não inova no tema, já que filmes que falam de morro, polícia e traficantes no Rio de Janeiro são o que há de mais clichê no Brasil. Dessa maneira, onde é que reside o mérito de um filme de tão estrondoso sucesso? Exatamente nessas mesmas características já citadas. Tropa de Elite tem tudo aquilo que se é esperado de um filme, não traz surpresas e muito menos questionamentos: é uma produção que se baseia na violência em seu estado puro, e não mais do que isso, para contar uma história que possui uma densidade e uma complexidade que vão muito além da simples descarga imagética de cenas chocantes e violentas. Um dos maiores erros cinematográficos é “falar da violência utilizando a violência”. Talvez o filme pudesse ter alcançado o status de obra artística caso trabalhasse o tema utilizando uma outra linguagem, que não a própria violência.

É o que faz o menos conhecido e de infinita superioridade, Notícias de Uma Guerra Particular. Vendido como Tropa de Elite 2, o documentário dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund em 1997, foi um dos principais braços de apoio de José Padilha para desenvolver Tropa de Elite. O personagem de Wagner Moura, o “herói” capitão Nascimento, surgiu baseado no capitão Pimentel – o verdadeiro capitão do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) que presta depoimento em Notícias. O documentário, além de discutir o tráfico, a polícia e - o que não faz Tropa de Elite -, dar voz aos moradores do morro que vivem nesse fogo cruzado, consegue discutir tudo isso criticamente e sem usar cenas de violência em nenhum momento. Não há sangue, não há tortura. Partindo apenas de depoimentos, é um filme que consegue chocar ao mesmo tempo em que desenvolve o senso crítico. Sem sangue.

Se existe algo de correspondente entre os dois filmes, excetuando-se o tema e o fato de um ser baseado no outro, certamente não é a maneira como é retratado o embate entre o tráfico e a polícia, mas somente o fato de concordarem que o que se vive nos morros cariocas é um estado de exceção. Segundo Giorgio Agamben, o estado de exceção “não é um direito especial (como o direito de guerra), mas uma suspensão da própria ordem jurídica”, ou seja, ele se configura quando não está em vigor nem o estado de Lei (onde as normas valem) e nem o estado de guerra. O estado de exceção é um “regime da lei no qual a norma vale mas não se aplica, e atos que não possuem o valor de lei adquirem sua força”.

Os dois filmes analisados aqui mostram um panorama desse estado que, cada vez mais, se configura e se fortalece nos morros do Rio de Janeiro. É um estado de guerra instituído dentro de um estado de direito. Sabe-se que lá, o Estado (governos federais, estaduais ou municipais) tanto não entra quanto não tem o menor poder. As leis que estão em nossa Constituição e que nos fazem sentir protegidos de certa maneira, não têm o menor valor dentro desses territórios urbanos. É o que os filmes mostram: um tráfico que impõe suas próprias regras e uma polícia que o faz da mesma maneira, gerando o atual conflito. Tanto os traficantes quanto a polícia e o BOPE suprimem qualquer direito (principalmente humano) e instauram a violência generalizada e a matança indiscriminada, que se tornam a lei do morro.

Em Notícias de uma Guerra Particular, o surgimento do estado de exceção nas favelas é mostrado, mas, diferentemente de Tropa de Elite, ele é criticado como algo que deve ser abolido. O BOPE, por meio do capitão Pimentel, aparece como mais uma parte do problema da guerra do tráfico, e não como uma solução. Já Tropa de Elite surge como um filme legitimador do mesmo estado de exceção. O BOPE e o capitão Nascimento são os símbolos da legitimação desse estado, mostrados não como problema, mas como solução. O combate ao crime necessita do capitão Nascimento. Está aí o ponto crucial que diferencia esses dois filmes, aparentemente tão similares: enquanto um aparece como crítica social, o outro surge como um espetáculo legitimador da violência.

Deslocando a análise para um viés político, ainda segundo Giorgio Agamben, os governos de democracias contemporâneas incorporam “atuações que legitimam a violência, a arbitrariedade e a suspensão dos direitos, em nome da segurança, a serviço da concentração de poder”. Ou seja, os Estados deslocam uma “medida provisória e excepcional (o estado de exceção) para uma técnica de governo”. Tropa de Elite se situa exatamente nesse patamar: um filme que afirma a prática da repressão, em nome da segurança, como solucionadora de uma crise social. O filme acaba sendo uma seqüência de imagens espetaculares, violentas e chocantes, encadeadas de maneira a não despertar nenhuma consciência crítica, e sem aprofundar o contexto denso e complexo que abarca uma situação como a guerra do tráfico.

Em contrapartida, Notícias de Uma Guerra Particular não só apresenta essa complexidade, como aponta negativamente para esse estado de exceção instituído. O depoimento de Hélio Luz, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro na época da realização do filme, afirma a existência da prática repressiva sem apresentá-la como algo que deva ser aplicado, mas como um dado concreto: “Nós fazemos uma política de repressão em benefício do Estado, em proteção do Estado. Mantemos os excluídos sob controle”.

Em resumo, dois filmes que pertencem à mesma natureza, um servindo de inspiração para o outro, acabam por se distanciar até chegarem a se contradizer, devido ao modo como foram construídos. Tropa de Elite poderia, sim, ser um bom filme que despertasse a consciência crítica do espectador. Mesmo partindo apenas do ponto de vista de um policial, toda sua montagem poderia ser crítica caso não fosse uma ode à violência. Notícias de Uma Guerra Particular, mesmo sendo documentário, prova que isso é possível, sem tom sensacionalista, enquanto que Tropa de Elite prima pela qualidade de imagens violentas. E desnecessárias.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Mergulhando nas águas de Frida

Ela é daqueles tipos que causaram polêmica em sua época. Com uma perna menor do que a outra como consequência de uma poliomelite, e muitos meses de gesso e cama devido a um grave acidente de ônibus, além de uma história de amor por um homem que possuía diversas amantes, mais que pintora, Frida Kahlo é o símbolo de uma luta angustiante pela vida.

Muito além de cores fortes e simbolismos psicológicos, o que se vê em suas obras é a expressão da dor e da tragédia com que a mexicana conviveu ao longo de sua existência. E é exatamente para o mundo inconsciente e subjetivo de Frida que o grupo Teatro das Epifanias, no ano do centenário de nascimento da pintora, abre as portas com o espetáculo Yo soy o que a agua me deu Frida. Dirigida por Wagner Miranda, a montagem reestréia no Centro Cultural São Paulo, dia 6, às 19h.

Com o título retirado de um dos quadros tidos como mais surreais da artista, a performance é resultado de uma pesquisa de quatro anos desenvolvida pela atriz Lilih Curi, que também integra o elenco. Unindo teatro, vídeo, dança, artes plásticas, instalação, música e poesia, a trajetória de Frida é contada em um espetáculo que trabalha, principalmente, a expressão corporal e a elaboração visual. Segundo Lilih, a proposta é “fazer uma interseção entre a poética da artista com outros tipos de linguagem”.

Em meio a projeções de imagens de suas principais obras, coros cantados pelos próprios atores e diversas cadeiras de roda que povoam o cenário, o espectador se defronta com a principal proposta do Epifanias: a experimentação cênica. Comparado às dramaturgias comuns, a presença de texto é quase nula. Isso porque o grupo pretende “narrar pelas imagens e não pelas palavras”, como afirma Lilih. Dessa forma, o trabalho propõe um espetáculo de poesia visual, multimídia, não-linear, em que o público não só navega, como mergulha no universo de Frida.

Centro Cultural São Paulo. De 6 a 16/12. 5ª a sáb, 19h. Dom., 18h. R$15.

Publicado originalmente na Revista Em Cartaz - guia da Secretaria Municipal de Cultura

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Em Cartaz

Já está disponível na internet a oitava edição da revista Em Cartaz, o guia mensal da Secretaria Municipal da Cultura. Ela reúne toda a programação das atividades da Secretaria, desde teatro e cinema até exposições e cursos, passando pela programação de música erudita, música popular, palestras, debates e encontros.

A revista está disponível em formato pdf.
Basta acessar o site da Secretaria:

http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/cultura