segunda-feira, 4 de junho de 2007

É possível mudar o mundo sem tomar o poder

Evento reúne representantes de movimentos sociais para discutir a mídia

Realizada entre os dias 28 de maio e 1° de junho, a Semana de Jornalismo da PUC-SP, evento anual do curso de Jornalismo da Universidade, reuniu professores, alunos e diversos representantes de agências de comunicação, ONG’s e outras entidades durante uma semana, ao longo de todo o dia, para discutir o tema “O Compromisso do Jornalismo na Nova Realidade da América Latina”.

Na quarta-feira, 30 de maio, no período da manhã, o debate “Os meios de comunicação e os movimentos sociais na América Latina” deu um bom panorama de como se comporta, hoje, a grande mídia e de como ela se coloca frente aos movimentos sociais.

Com a mediação do professor Sílvio Mieli, a mesa contou com a presença de João Batista de Oliveira, membro da nacional executiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alejandro Buenrostro, integrante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e Lúcio Flávio de Almeida, professor da PUC-SP. Todos se posicionaram de maneira semelhante quanto ao papel desempenhado pela imprensa, mas com enfoques diferentes: cada um tratando da visão do movimento que estavam representando.

João Batista de Oliveira, como representante do MST, deu início ao debate já com um discurso acalorado e revolucionário. Segundo ele, a grande mídia trata todas as ações do movimento como “invasão”, palavra de cunho ideológico, quando, na verdade, se trata de “ocupação”. Mais de 50% das terras cultiváveis do país estão nas mãos de menos de 1% da população, ou seja, o povo está sendo destituído do seu direito à terra. “nós sabemos quem são os verdadeiros invasores”, afirmou Batista.

O trabalhador do campo sofre todo o tipo de violência, seja moral ou social, e a mídia não cumpre com a sua responsabilidade de divulgar essas dificuldades, como o trabalho escravo ou mortes por péssimas condições de trabalho, principalmente por estafa, mas destina um grande espaço àquilo que é ligado ao capital internacional e às empresas multinacionais. Como, por exemplo, a questão do etanol, agora nas principais pautas da mídia. “O Brasil está sendo vendido e isso a imprensa não noticia”, disse Batista, afirmando em seguida que isso acontece devido ao fato de que as grandes empresas de comunicação se posicionam nitidamente contra os movimentos sociais e, assim, cumprem o papel de descaracterizar e desmoralizar esses movimentos, “tentando aniquilá-los”.

Para ele, as ocupações que o MST realiza, são uma forma de comunicação com a sociedade, pois é nela que esses movimentos se legitimam, não na mídia. Segundo o militante, não se pode contar com o apoio da imprensa, tanto o MST quanto qualquer organização com posição anticapitalista, já que os grandes meios de comunicação exercem “um diálogo ideológico de criminalização dos movimentos sociais”. Sobre a concentração dessas agências noticiosas nas mãos de poucas famílias, fato sintomático do Brasil, Batista afirmou que se trata da expressão da concentração de riquezas no mundo e que essa imprensa impõe a “ditadura da realidade”, ela nos faz “engolir uma realidade que não existe”. E concluiu: “Não esperamos o elogio da mídia, confiamos na nossa capacidade de transformar a sociedade”.

Para dar mais peso ao debate, na seqüência Alejandro Buenrostro, do EZLN, antes mesmo de atacar a imprensa, fez um panorama da situação do México e de como a mídia alternativa e também a ligada aos zapatistas tiveram um papel fundamental na construção política do país. Segundo ele, o México possui uma imprensa “de engano e de simulação”, onde a população não tem voz e “a verdadeira notícia se dá por meio da mídia alternativa”. Os zapatistas, um movimento de insubordinação social indígena de origem maia, para conseguir o apoio da massa e sua legitimidade na sociedade, contou com a ajuda de cartas, comunicados e, principalmente, com a internet e jornais alternativos desenvolvidos pela própria população, como o La Jornada e a revista O Processo. Foi por meio deles que os zapatistas conseguiram tornar visível o movimento de Chiapas, reunir os rebeldes e incitar a população a tomar as armas, ou seja, “criou uma tomada de consciência”.

A preocupação de Alejandro não é em destruir a mídia imperialista, mas sim dar espaço e investir na imprensa alternativa, exercendo uma comunicação ética, verdadeira e coerente. “Vamos dialogar aqui embaixo, onde está o povo! Vamos democratizar embaixo e à esquerda, longe do capital!”, bradou o militante, concluindo com sua frase mais revolucionária da manhã: “é possível mudar o mundo sem tomar o poder”.

Finalizando as falas, o professor Lúcio Flávio, que se desculpou por não ter algo empírico a contar, elaborou um discurso um pouco mais teórico e bastante carregado de conceitos marxistas. “Os movimentos sociais são expressões da luta de classes”, iniciou. E emendou: “nunca teve tanto capitalismo no mundo e com ele se expande o processo de proletarização que se planetariza”. A partir disso, desenvolveu uma crítica às comunicações e ao sistema capitalista baseada no fato de que essa massa proletarizada não está nas fábricas, mas é composta por desempregados e que, muitas vezes, se encontram em condições de miséria. Isso faz com que ou aceitem sua própria condição e continuem vivendo miseravelmente, ou se rearticulem em movimentos sociais. “Os movimentos sociais são ricos porque oferecem novas perspectivas de democracia”, afirmou. Segundo o professor, vivemos em uma democracia burguesa baseada na mercantilização das relações e isso se reflete também na mídia.

Partindo para o âmbito das comunicações, a título de exemplo, Lúcio Flávio se utilizou do mais representativo veículo da grande mídia que temos hoje no Brasil: a revista Veja. A cada página folheada mostrada aos presentes, o professor foi desenvolvendo seu argumento de que a comunicação se detém estritamente no processo de consumo, ignorando o processo de produção. De folha em folha, um mundo bonito e limpo é apresentado, seja nas matérias ou seja no excesso de propaganda de beleza e carros. E quando os movimentos sociais conquistam o mínimo de espaço nesse tipo de mídia, ele é mostrado como sujo, “como um movimento de ratos”. Segundo Lúcio, o leitor é interpelado como consumidor e a mídia dominante, além de não informar, não possui nenhum projeto para o país, diferentemente do que acontece com muitas publicações alternativas de movimentos sociais. Finalizando a mesa do dia, o professor retomou a questão do uso das palavras “invasão” e “ocupação” antes discutida por João Batista: expôs que não se trata somente de uma luta semântica, mas político-ideológica, entre aquele que crê em um mundo melhor e o que crê no capital.

Não fosse o tempo restrito que havia para a atividade e o cansaço já aparente dos presentes, que estavam por lá há quase três horas, as palestras poderiam durar o dia inteiro, gerando as mais acaloradas discussões e propostas para o futuro da imprensa no Brasil e no mundo. Porém, a mesa teve seu fim, mas deixou uma semente de indignação naqueles que pretendem mudar o mundo - sem que seja preciso tomar o poder.

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