sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O indivíduo como mercadoria: a produção do capitalismo

Quando a discussão é o capitalismo em sua fase atual, o que talvez venha primeiramente à cabeça é a noção de globalização, multinacionais, oligopólios, entre outros nomes tão freqüentes em nosso cotidiano. Porém, uma das principais características do capitalismo, que é anterior a essas denominações e também o seu verdadeiro sustentáculo é a questão do consumo.

É o consumo o grande norteador da vida pós-moderna. Ele pode ser material, passando pela compra de roupas, comidas, sapatos, móveis e objetos eletrônicos, até chegar no simbólico, que envolve o consumo de imagens, informações, estilos de vida e, até mesmo, de pessoas. Por isso, somos hoje o que há de mais avançado no capitalismo: uma sociedade de consumo.

Mas qual seria a origem desse fenômeno? Com o desenvolvimento do sistema econômico e seu conseqüente crescimento da produção, consumir tornou-se a solução, a palavra de ordem para sustentar essa nova economia.

Quem produz são as empresas, mas quem consome e por quê consomem? Hoje a meta é consumir e quem mais investe pesadamente nisso são os principais interessados: as próprias empresas. Com o objetivo único de vender e cada vez mais obter lucros bilionários, empresas têm investido mais e mais naquilo que é o ponto crucial de seu desenvolvimento: o cliente. Assim, muito mais do que bens de consumo e objetos de primeira necessidade, são vendidos hoje nas prateleiras de todas as lojas conceitos que estão além do material: desejo, satisfação, tranqüilidade e, principalmente, estilos de vida. Como aponta Mike Featherstone em seu texto “Cultura de Consumo e Pós-Modernismo”, as mercadorias passaram do simples valor de troca ao valor simbólico, que pode trazer ao consumidor status, posição cultural e definir seu pertencimento a um grupo. Marx chamaria esse fenômeno inicial de “fetiche da mercadoria”, em que a mercadoria assume outro valor além do seu próprio de necessidade primeira: o de fetiche.Uma mercadoria envolta de signos e símbolos que se torna um fetiche.

Dessa maneira, assistimos hoje a um fenômeno inédito: aquilo que o ser humano não consegue encontrar em sua vida real, ele busca no consumo. Ou seja, é comum vermos, por exemplo, ocorrer que quando alguém se sente extremamente triste ou angustiado, vai diretamente ao shopping gastar, comprar coisas de que não precisa, comer comidas que não deseja e, ao sair de lá, se sentir muito mais aliviado. Em um episódio como esse, é nítido que o que o sujeito estava à procura não era daquilo que ele realmente necessitava, mas sim, de uma fuga, de suprir o desejo de simplesmente TER algo.

Os jornais na televisão, principalmente em época de datas festivas, chegam a ser abusivos na questão do consumo. Deixando de lado a questão de que datas comemorativas em que há troca de presentes foram criadas pelo capitalismo, a masturbação mental de que se deve comprar, comprar e comprar chega ao ponto de se tornar lavagem cerebral. No Jornal Nacional, por exemplo, os repórteres vão sorridentes aos shoppings mostrar como “é bonito” uma multidão de gente se estapeando para conseguir entrar em uma loja, os preços “incríveis e imperdíveis” dos produtos e exaltam o consumidor como o grande herói do momento: “esta senhora gastou R$100,00 em compras e está saindo com o carrinho cheio!”.

Muito mais do que uma prática comum de suprir necessidades, consumir indefinidamente não só é visto como algo normal, como é pesadamente incentivado, exaltado e almejado.

Acontece que esse prazer do consumidor é momentâneo. Aquilo que se compra hoje já não tem mais o mesmo valor e importância amanhã e outras “necessidades” de consumo vão surgindo incessantemente. Seu carro de hoje já não é mais tão moderno quanto ontem, a roupa já estará fora de moda daqui alguns meses e até mesmo os estilos de vida são efêmeros como, por exemplo, os lugares que você freqüenta hoje já não mais serão os mesmos que você irá daqui uns poucos anos, ou até mesmo dias. Isso tudo porque a fuga da realidade em consumir não resolve aquilo que está errado na própria realidade, mas cria uma ilusão que não será nunca alcançada e satisfeita. Assim, as pessoas vivem hoje em uma busca contínua de satisfação de uma “necessidade” por meio do consumo que, quando satisfeita, irá dar lugar a outra “necessidade” e assim indefinidamente. Hoje, consumir se esvazia em si mesmo: só tem o sentido de simplesmente consumir.

O problema mais grave aparece quando essa necessidade de consumir ultrapassa os limites do objeto material. Quando além de roupas e objetos eletrônicos, por exemplo, passamos a consumir as próprias pessoas. Nunca se viu uma quantidade tão grande de relacionamentos e até mesmo casamentos que duram poucos meses e, enquanto duraram, pareceram extremamente intensos. Namoros duram até semanas e, na Alemanha, já há inclusive a proposta de um projeto de lei que anule automaticamente todos os casamentos após passados sete anos, já que o índice de divórcio é muito maior do que o número de casamentos que se mantém. Mas porque será que isso acontece? Entre tantos problemas cotidianos da vida moderna, como ter filhos, levá-los para a escola e ao mesmo tempo cuidar da casa, do marido e dos amigos, é até compreensível que um relacionamento se desgaste rapidamente, coisa que não acontecia em tempos passados. Acontece que, muito mais do que relacionamentos desgastados naturalmente, o que está ocorrendo é uma verdadeira transformação das próprias pessoas em objetos de consumo. Ou seja, compramos o nosso parceiro: estabelecemos um perfil que desejamos com determinadas qualidades e características físicas, saímos à procura de alguém para namorar (porque hoje ficar sozinho é algo difícil de se querer) em bares, baladas, restaurantes… A vontade de consumir alguém e suprir carências afetivas e solidão é tão grande que há, inclusive, aqueles que ficam com mais de uma pessoa por semana e até mesmo em um dia conseguem sair de uma festa com cinco números de telefones diferentes e amassos a mais para anotar na agenda.

Mas, para ir além, depois de uma busca frenética por alguém, esse alguém depois de encontrado é consumido até não se tirar mais nada do sujeito. Ou seja, se estabelece um relacionamento, em que no início tudo é amores e flores, para em questão de poucos meses tudo já estar desgastado e acabado, o parceiro totalmente sugado, totalmente consumido. Aí se dá o momento de renovar: jogar fora e partir para outra. Exatamente como são tratados objetos materiais: compra-se uma TV nova hoje e amanhã, quando aparecer outra com mais funções e novidades, joga-se a antiga fora e consome-se a nova até que apareça outra e assim indefinidamente.

E isso não ocorre somente no nível dos relacionamentos amorosos. No âmbito das amizades e de parceiros profissionais também. Algumas amizades são estabelecidas porque essa ligação acaba por ser positiva para uma das partes, ou para as duas, por um certo tempo, até que quando não houver mais o que tirar de proveitoso dessa amizade, ela acaba. No mundo do consumo, tudo se tornou mercadoria, inclusive o ser humano.

Fontes consultadas:

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.
DEBORD, Guy; A sociedade do espetáculo. Contraponto
FEATHERSTONE, Mike; Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. Studio Nobel

Um comentário:

Anelise Csapo disse...

Uma vez eu escrevi sobre consumismo no meu fotolog e me arrependi quase, por conta de comentários como: "eu gosto de consumir" (de pessoas dãrrr) ou "pare de ser hipócrita" (de pessoas que nada entendem)!

Tem que ter um saco prá aturar...amei esse texto! Sempre acompanho, filhota linda demais! Amei te ver rapidão sáb...BJS BJS BJS